Quarto com vista sobre o lago
De um lado, está a província canadiana que lhe pediu emprestado o nome; do outro, está o estado americano de Nova Iorque. O Lago Ontário faz parte do conjunto de cinco corpos gigantes de água doce, entre o Canadá e os Estados Unidos, a que se chama "Grandes Lagos". As suas superfícies somadas totalizam perto de duzentos e cinquenta mil quilómetros quadrados.
"Lago das Água Brilhantes" é o significado de "Ontário" na língua nativa dos Wyandot. Faz sentido. São águas que refletem o céu: uma extensão imensa de brilho, enrugada muito levemente pela brisa. No instante em que escrevo, fim de outubro, as margens estão povoadas por grandes copas de folhas amarelas, castanhas e vermelhas. As gaivotas que planam sobre o lago, ou os patos que são levados por uma corrente muito ténue, não parecem conhecer preocupações. Albergam uma sabedoria simples, bela como o lago, igualmente profunda.
Quando levanto o olhar destas palavras que escrevo, tenho essa paisagem à minha frente. Como num promontório sobre o mundo inteiro, estou no vigésimo nono andar de um hotel em Toronto. Os sons da cidade, nas minhas costas, não chegam aqui. Não existem. Uma cidade de dois milhões e meio de pessoas em completo silêncio.
Quem passeia lá em baixo, ao longo das margens, tão devagar, não faz qualquer barulho. Passos de homens e mulheres, curtos, lentos, tocam um caminho de madeira sem perturbarem a tranquilidade. E os cães, sem trela durante minutos, aproveitam o Parque de Harbour Square, a relva coberta de folhas outonais. As amas chegam com carrinhos de bebé e sentam-se a olhar para a distância.
Mais perto do hotel, onde não consigo ver, há um caminho atravessado por aqueles que vão apanhar o barco para as ilhas. Sei porque já estive lá, já atravessei esse caminho, e porque vejo os barcos, de tempos a tempos, a cruzarem o lago. Desenham um rasto que se estende a partir deles e que os acompanha: duas linhas oblíquas que nascem da sua travessia e que a denunciam. Lá ao fundo, as ilhas são uma pequena faixa de árvores, a mostrar algumas casas brancas que se assomam sobre a água. E também lá, as cores do outono.
Há uma forma de repouso que só é possível neste tempo. O calor e o sol aberto é uma recordação distante, outra idade, mas o frio a sério, aquele que gela os olhos, ainda não chegou. O conforto alcança-se com roupa suave ao toque, lã, ou dentro de casa, como neste quarto de janelas altas. Nesse caso, pode tomar-se um chá, como este que tenho aqui, ao alcance da mão. Esse conforto envolve como um abraço.
O meu olhar lança-se por esta janela. O meu corpo inteiro acompanha-o. É um voo seguro, tranquilo como a minha respiração. Sobre o tamanho deste lago, até onde a vista alcança, deslizo pelas boas memórias que tenho do outono, são muitas. E sinto-me grato por todas as estações. Cada uma delas é necessária para chegar ao outro lado desde imenso horizonte, deste céu, lago das águas brilhantes.
Texto de José Luís Peixoto
Fotos de Sandro Schuh e Nadine Shaabana
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