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Às vezes, entramos em certos museus e, ao fim de algumas salas, percebemos que, afinal, estamos a avançar no interior da nossa própria memória. Foi o que me aconteceu no Museu da Máquina de Escrever, na Golegã. Não porque seja contemporâneo de todas as cerca de 380 máquinas expostas no museu — as mais antigas datam do final do século XIX, quando começaram a ser comercializadas as primeiras máquinas de escrever —, mas porque guardo memórias muito caras deste aparelho.
Havia uma máquina de escrever em casa dos meus pais. As minhas irmãs e eu usámo-la para datilografar certos trabalhos da escola e, quando comecei a escrever os primeiros poemas, era aí que os passava a limpo. No Museu da Máquina de Escrever, na Golegã, regressaram todas essas lembranças: a campainha que tocava quando faltava pouco espaço para mudar de linha, a alavanca que se tinha de puxar para mudar de linha, o barulho que fazia, os momentos em que as hastes das letras se embaraçavam. Regressaram mesmo as memórias mais recônditas: quando usávamos o éle minúsculo (l) para fazer de número um (1).
O Museu da Máquina de Escrever fica no edifício da recentemente batizada Biblioteca Municipal José Saramago, na Golegã. Por si só um edifício admirável, antigo Palacete Marques de Almeida. As máquinas expostas são fruto de um extraordinário trabalho colecionista de Artur Azinhais e constituem o maior acervo do género em Portugal.
Qsdf mlkj qsdf mlkj. No sétimo e oitavo anos, tive uma disciplina opcional chamada “Práticas administrativas”. Passávamos horas diante de máquinas de escrever, com os teclados cobertos por uma tampa de madeira a martelar sequências de letras. A mais comum, a que repeti mais vezes na cabeça era: qsdf mlkj qsdf mlkj. Na altura, esse exercício aborrecia-me e não conseguia ver-lhe nenhuma utilidade. Estava longe de imaginar a quantidade de caracteres que iria escrever ao longo da vida, e datilografados com todos os dedos, não apenas com os indicadores.
Também esta recordação me chegou hoje, em visita ao Museu da Máquina de Escrever, na Golegã. Não tinha ido à Biblioteca Municipal José Saramago para visitar o museu, não sabia que existia. Visitei o museu por acaso. Se também não sabiam que existe em Portugal um Museu da Máquina de Escrever, agora ficaram a saber. Visitem este museu! Vale a pena ir à Golegã de propósito para reencontrar memórias.
Texto e fotografias de José Luís Peixoto
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