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José Luís Peixoto

DUBLIN, IRLANDA

Nas ruas e nas páginas de Dublin






Talvez devido aos livros lidos, talvez devido à música, é muito clara a presença de uma Dublin imaginária em coexistência com a cidade concreta que nos rodeia. Essa dimensão imaginária não é menos real, apenas tem outra forma de se dar a sentir. Entre os construtores inequívocos desse mundo, está James Joyce, o autor dos contos que compõem Gente de Dublin, personagens que marcaram esta cidade e toda a literatura, ou de Ulisses, o grande romance do século XX que, todos os anos, a cada 16 de junho, é celebrado em Dublin no chamado Bloomsday, que recorda Leopold Bloom, o protagonista, havendo assim o cruzamento entre esses dois planos: a Dublin imaginária toma conta da Dublin concreta. Mas, a cruzar essas duas dimensões, está também a música irlandesa, de origem popular, ou composta por nomes conhecidos mundialmente como os U2, a Sinéad O’Connor e muitos mais. Música que evoca a cidade e que, ao mesmo tempo, podemos escutar por toda a cidade, nomeadamente nos seus inúmeros pubs.


O carisma das ruas de Dublin é evidente. Talvez o exemplo mais claro seja a O’Connell Street, a avenida mais famosa da cidade, um dos eixos que a estrutura, composta por amplos passeios, que convidam a percorrê-la a pé, sem pressa, entrando em algumas das suas lojas. Quando em direção do centro, essa avenida leva-nos às margens do rio Liffey, paisagem fundamental de Dublin, também ele uma espécie de avenida, ligação entre a cidade e o céu.





Outra rua imperdível é a Grafton Street. Nesse caso, é exclusivamente pedonal e, por isso, feita para passear, para se desfrutar de algumas das suas várias livrarias, por exemplo. Subindo essa rua, chegamos Saint Stephen’s Green, um magnífico parque que nos dá acesso a uma nova realidade que, não deixando de ser cidade, não deixando de ser Dublin, é natureza idílica. Os cisnes e os patos que habitam os lagos são tão irlandeses como as pessoas com quem nos cruzamos nas ruas. As cores que os lagos refletem ao fim do dia também.


Para além de parques como o Saint Stephen’s Green, é junto do rio Liffey que a natureza mais se faz notar. A serena beleza do rio apazigua o lado mais urbano de Dublin. Junto do rio, o ritmo dos autocarros de dois andares parece mais coordenado com o nosso próprio ritmo. Mas, reparando bem, há natureza um pouco por todo o lado, árvores, pequenos jardins como o que circunda a Catedral de Saint Patrick, a maior da Irlanda, país inequivocamente católico, e espaço de visita obrigatória, tanto pela monumentalidade, como por todos os séculos de história que alberga.





O Trinity College é a principal universidade da Irlanda. Aqui estudaram Jonathan Swift, Oscar Wilde, Samuel Becker, Bram Stoker e muitas outras personalidades famosas. Escolhi estas porque me permitiram enumerar mais alguns dos grandes nomes da literatura irlandesa, uma lista imensa. Mais uma vez, aqui se cruza a cidade imaterial com a cidade tangível. Tudo o que conseguimos imaginar ao caminharmos entre estes edifícios, passando por estas portas e por estes pórticos, sentido o tamanho imenso destes pátios, faz também parte deste lugar, desta cidade, deste país. O Trinity College no tempo de cada um destes escritores, na forma como os moldou, e o Trinity College hoje, o impacto que tem naqueles que aqui estudam e que, no futuro, serão nomes incontornáveis também. Enquanto por aqui andámos, será que nos cruzámos com algum Oscar Wilde futuro? Não é possível responder realmente a esta pergunta, mas podemos imaginar uma resposta.



Com tanta ligação às letras e ao conhecimento, não é de estranhar que a biblioteca do Trinity College seja extraordinária. Com a mesma idade da própria universidade, fundada em 1592, é de uma beleza que não deixa indiferente qualquer pessoa que tenha uma mínima sensibilidade para lugares com história. As suas paredes cobertas por estantes cheias de lombadas encadernadas a couro, escadas e arcos de madeira, são tocadas por raios de sol que chegam lá de fora, filtrados pelas vidraças de altas janelas. Desde o início do século XIX, esta biblioteca é benificiária do depósito legal de todos os livros do Reino Unido. Ou seja, é a única biblioteca da Irlanda que recebe um exemplar de todos os livros publicados no Reino Unido. Logo desde 1661, no entanto, tornou-se guardiã do Livro de Kells, a publicação mais valiosa de todo o seu acervo, uma transcrição ilustrada dos evangelhos que data do século IX, que é a peça mais preciosa do cristianismo irlandês e um dos manuscritos mais preservados de toda a Idade Média.


Falar de Dublin e não mencionar os seus pubs é uma falta grosseira. Os pubs irlandeses existem há cerca de um milénio. O mais antigo da cidade de Dublin, e que ainda se mantém ativo, é o The Brazen Head, em funcionamento desde 1198. Só no século XVII o governo exigiu o licenciamento dos pubs. A palavra “pub” deriva do nome Public Houses, uma vez que estes eram os espaços abertos a toda a gente, por oposição aos clubes privados, que requeriam filiação dos seus membros. Assim, ao longo dos séculos, os pubs instituíram-se como lugares de encontro comunitário.


Um dos pubs mais famosos em Dublin é o Temple Bar, que fica no bairro com o mesmo nome. As paredes são de um vermelho garrido, fresco, como se acabasse de ter sido pintado. Ao entrarmos, há o rumor da multidão misturado com a música de um homem com uma guitarra a cantar canções irlandesas, com sotaque irlandês, num pequeno palco ao canto. Sobre as mesas, há copos altos de cerveja, as pints. É preciso abrir a mão quase toda para segurar esses copos. O Temple Bar é constituído por múltiplas salas. Logo na segunda, há uma estátua de James Joyce, ele de novo.


Todos os escritores irlandeses, passaram por estes bairros do centro de Dublin. Construíram nas páginas do que escreveram uma Irlanda imaginária e, hoje, também eles fazem parte dela, a mitologia desses escritores habita Dublin. Todos passaram também pelos pubs da cidade, é inevitável que o tenham feito. Seguindo essa tradição, também eu quis escrever algumas linhas num pub de Dublin, cidade muitíssimo inspiradora.



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