Almoço de Domingo
Em todos os momentos, com noventa anos, o senhor Rui sabia que, lá fora, existia Campo Maior. Passavam carros ocasionais nos paralelos de granito da avenida Calouste Gulbenkian e, de vez em quando, avançava gente nos passeios. Viúvas cansavam-se dos programas de televisão de domingo e, sozinhas em casa, vigiavam a rua pelo postigo, espreitavam suspeitas. Vista a partir das muralhas do castelo, a vila era sólida e imaterial ao mesmo tempo, composta por tijolos, cal, telhas e memória: tudo o que cada campomaiorense conseguia recordar e, também, uma lembrança ainda mais profunda, a condensação translúcida de tudo a que os antigos ali tinham assistido e recordado, um segredo para sempre. Ainda lá do alto, depois da última casa, os montes ao fundo já eram Espanha e, depois ainda, as escalas na cor do céu até ao horizonte.
Texto de José Luís Peixoto, in Almoço de Domingo, publicado em Portugal pela Quetzal, a sair no Brasil em 2022 pela Companhia das Letras e, também em 2022, nos países de língua castelhana pela Peguin Random House.
LEITURA DE DIOGO INFANTE, EM CAMPO MAIOR:
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