Sentinela no topo da torre
Subimos em fila indiana pelo interior da pedra. Alguma claridade lá em cima, no fim das escadas, garante a esperança de voltarmos ao dia aberto. O corrimão é uma corda, mas os degraus são de pedra, as paredes são demasiado próximas, também de pedra. Levanto o corpo em cada passada nestes degraus altos e sinto que avanço no centro compacto de uma pedra.
A torre de menagem impressiona logo a partir da entrada nas muralhas. Por estradas locais, a viagem desde Olivença faz sobressair o impacto da subida. Quando deixamos o vale, amplo e plano, iniciamos uma subida bastante íngreme. A meio caminho, passamos pelo pueblo de Feria, as suas ruelas inclinadas, e continuamos ainda, a esforçar o motor do carro até ao castelo.
Tanto as muralhas como a torre de menagem são construções em alvenaria, pedras polidas pela luz da hora que nos calhou. Os primeiros registos desta fortificação datam do início do século XI, ainda durante o domínio árabe da península. Ao cair o califado cordobês, foi incluída nas defesas do reino taifa de Badajoz, sendo conquistada pelos exércitos cristãos em 1241. A torre de menagem, no entanto, foi edificada apenas no século XV. Após a explicação histórica que encontrei exposta nos primeiros pisos, sinto que avanço no interior do tempo, no centro compacto de séculos.
Por fim, chegamos um a um ao topo da torre de menagem. Ao sairmos da escuridão, somos recebidos pelo céu, é imenso sobre nós. Ao aproximarmo-nos das bordas, recebemos de repente o deslumbramento da distância: a comarca de Zafra, a província de Badajoz, a comunidade autónoma da Extremadura. É enorme o mundo visto do topo da torre de menagem do castelo de Feria.
Os olhos ficam cobertos pelas cores da paisagem, o amarelo dos campos, o trabalho do sol durante todo o verão, o verde escuro das copas das azinheiras, verde-preto e, na outra metade, o céu, as nuvens esculpidas, brancas sobre o azul. Visto de cima, o relevo do terreno parece diminuir, às vezes chega a desaparecer, deixa de distinguir-se. Agora, essa ilusão de ótica parece-me simbólica: precisámos de sair de lá para ver com mais amplitude, para perceber que as pequenas ondulações topográficas não tinham toda a importância que lhes era dada.
E também Feria, pequeno pueblo com cerca de mil habitantes, casas brancas a rodearem uma enorme igreja. Os sons revolteados pelo vento: os guizos nos pescoços de cabras, cães a ladrar, os sinos da torre da igreja. Está um casamento à porta da igreja, os noivos recordarão esta data, este sábado. Num dos limites de Feria, indiferente, desconhecedor de tal cerimónia, também a ignorar que o observo, um homem aproxima-se de um monte e, com uma forquilha, enche um carro de mão, leva-o carregado durante algumas dezenas de metros e despeja-o sobre outro monte; e volta a repetir essa ação, sempre pelo mesmo caminho.
Esta fortaleza teve grande importância estratégica. Essa utilidade justificou a sua renovação ao longo dos séculos. Agora, sem função militar, que estratégia é favorecida pela sua existência? Olho na direção de Zafra. Ainda hoje vamos dormir ao convento de la Parra. Estive lá há anos, guardo a memória das suas paredes brancas, laranjeiras no pátio interior, um lago a murmurar o permanente sussurro da água. Como são curiosos os elementos que a memória escolhe para nos dar a imagem de um lugar em que estivemos.
Olho uma vez mais sobre esta paisagem. Ainda estou aqui. O que aprendemos quando olhamos à distância? Não sei dizer ao certo, mas parece-me claro que aprendemos algo, o peito enche-se de uma certeza.
Texto de José Luís Peixoto
Fotos de Patrícia Santos Pinto
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