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José Luís Peixoto

ILHA DA ARMONA, PORTUGAL

Atualizado: 30 de out. de 2020

Ilha da Armona



Esperamos pelo barco entre gente com carrinhos de compras cheios. Aproveitaram esta hora da manhã para vir a Olhão comprar mantimentos. O barco chega carregado de marinheiros, homens que atiram cordas, que fazem funcionar alavancas. Seguimos no interior de uma corrente, escolhemos quatro assentos que não fiquem muito perto do motor, ruído e cheiro a gasolina.


A Ria Formosa é o contrário do motor, existe serena por baixo da nossa passagem ruidosa, das nossas toneladas de aço. A Ria Formosa é uma cor com horizonte. Ou, pelo menos, é algumas cores, poucas e simples, limpas, uma dessas cores é o horizonte.


Aportamos na Ilha da Armona como se chegássemos de uma grande viagem, trazemos notícias de outro mundo. É esse o olhar que o nosso barco recebe, estamos vestidos com roupas que não fazem sentido ali.


Felizmente, esperam-nos na ilha. Avançamos na rua principal, pequeno caminho onde não cabe mais do que duas ou três pessoas ao lado umas das outras. Às vezes, temos de desviar-nos para dar passagem a uma bicicleta. Olhamos para todo o lado: as casas, as peles bronzeadas. A população é composta por duas linhagens: os que vêm passar o dia e os que ficam quando parte o último ferry, os residentes, povo das ilhas. Porque vamos acompanhados, sentimos que somos meio-residentes. Não estamos perdidos. Ao seguirmos o nosso amigo, é como se conhecêssemos tudo.


Passamos em casa para deixar o que não precisamos e continuamos para o nosso primeiro passeio, dunas, céu, mar e, no regresso, gente diante de grelhadores, grupos de pessoas que já almoçam em mesas diante das casas. Logo a seguir, nós somos essas pessoas: arroz de lingueirão em tronco nu.


A Ilha da Armona também é arroz de lingueirão em tronco nu, fato de banho molhado, sal. As vozes cruzam-se sobre a mesa. Em algum momento do futuro haveremos de recordar este momento.



A areia queima os pés. Na costa contrária ao porto, chegamos a uma praia com chapéus de sol, e prosseguimos, chegamos a uma praia com algas, e prosseguimos, e chegamos a um enorme areal onde estamos sozinhos. O cão é o primeiro a entrar na água. Seguimo-lo imediatamente, o cão abraça-se aos donos. Somos seis pessoas com água pelo pescoço, sentados no chão, a nossa pele tem uma temperatura líquida. Desenvolvemos conversas que começámos à mesa ou, depois, ao longo do caminho até aqui. Parece que são essas conversas que levam a tarde, cada vez mais branda, como as nossas vozes.



Muito ocasionalmente, passa uma pessoa, o fim das ondas toca-lhe os tornozelos. O cão vai ter com ela, segue-a durante alguns metros, quer festas. Ao longe, os donos pedem desculpas a esse transeunte de fato de banho, mas ninguém se incomoda. É um cão encantador, chama-se Albuquerque.






Texto e fotos de José Luís Peixoto

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