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José Luís Peixoto

ESPIRAL, LISBOA

Atualizado: 30 de out. de 2020

Refúgio




Quando desço as escadas na Estefânia, logo no primeiro degrau, regressa a memória de todas as vezes que aqui vim desde o tempo da faculdade. Nessa época, no início dos anos 90, a Espiral era um lugar onde via muitas coisas pela primeira vez. A pequena loja de livros e discos à esquerda da entrada foi, por exemplo, o lugar onde descobri que existia um género musical chamado New Age, onde soube da existência de krishna bhajans, onde ouvi gravações de vozes do Tibete ou da Mongólia e discos com sons de baleias. Acreditas que há discos só com sons de baleias?, dizia eu à minha irmã quando chegava a casa, ela surpreendia-se tanto quanto eu e, provavelmente, não acreditava. Para além disso, havia os livros com autores de longos nomes indianos ou, nas escadas, os anúncios de palestras ou cursos sobre ciências que desconhecia, mundos possíveis, próprios para imaginar.



Nesse tempo, os homens tinham mais orgulho da sua bigodaça, palitavam os dentes sem preconceito, acendiam cigarros em qualquer lado, e pronunciavam "macrobiótico" como se dissesse uma piada. Os médicos desaconselhavam dietas vegetarianas e outras loucuras.


Ao descer as escadas, passados estes anos, os cartazes, panfletos e papelinhos ainda estão presos com fita-cola, agrafos ou alfinetes, falam de meditação, cosmosofia, reiki, psicoterapia quântica, terapia de equilíbrio energético, leitura de anéis de vidas passadas, etc. Neste momento, no entanto, agosto de 2020, há etiquetas sobre todos os cartazes, escritas à mão, caligrafia humana, a dizer "adiado" ou "cancelado".



E o cheiro da comida, beringelas recheadas com tofu, filetes de seitan, almôndegas de seitan no forno, e a cor dos cubos de abóbora cozida, todos os legumes, as cores essenciais. Também o cheiro da maçã assada, da canela, sobremesa. Este é o pequeno mundo onde nos escondemos por minutos. As pessoas que nos servem o prato com a comida que escolhemos e que, depois, recebem o pagamento na caixa, estão tão relaxadas, conhecem o caminho para outra dimensão.


O chá é grátis, podemos repetir as vezes que quisermos. Sentados, comemos ao ritmo de toda a gente da sala, devagar, o movimento dos talheres é lento, saboreamos cada ingrediente do prato, cada cor. Somos um grupo heterogéneo que, aqui, descobre a sua unidade. Lá fora, talvez não nos conseguíssemos reconhecer uns aos outros.


Por fim, quando nos sentimos revigorados, quando somos capazes de baixar as pálpebras lentamente sobre os olhos, levantamo-nos, devolvemos o tabuleiro, a loiça, os talheres, contribuímos para o funcionamento da Espiral. Ao fazê-lo, sabemos que pertencemos aqui. Então, enchemos os pulmões. Estamos prontos para regressar à cidade.





(Espiral — Divulgação de Alternativas, Praça Ilha do Faial, 14-A, Lisboa)


Texto e fotos de José Luís Peixoto

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