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  • José Luís Peixoto

COIMBRA, PORTUGAL

Coimbra, eu e o futuro



Não sei que futuro me espera em Coimbra. No entanto, ainda que passem anos, as memórias são concretas. Passeio por elas como aqueles que, neste momento, de montra em montra, atravessam a Rua Ferreira Borges. Quer sigam na direção do Largo da Portagem ou da Rua da Sofia, é quase certo que vão debaixo de claridade limpa. É sempre assim que recordo Coimbra.


Quando o meu pai estacionou o carro na universidade, eu tinha doze anos e, também então, não sabia que futuro me esperava em Coimbra. Dessa viagem, lembro o assombro perante a Biblioteca Joanina e, com a ajuda de uma fotografia que está na casa da minha mãe, lembro a pose que fizemos diante das Escadas Monumentais: os meus pais com penteados que nunca mais voltaram a ter, as minhas irmãs a serem umas raparigas, eu de calções e sandálias.


Mais tarde, havia de passar muitas vezes por essas escadas. Com vinte e poucos anos, não me cansava a subi-las. À noite, ia aos concertos na Cave das Químicas ou a outros lugares cheios de estudantes, pouco mais novos do que eu. Não era estudante, mas ninguém me pedia o cartão nas muitas vezes em que decidia jantar na cantina amarela. De manhã, comprava o Diário de Coimbra e tomava o pequeno-almoço na Pastelaria Vénus, em Celas. Logo a seguir, com o auto-rádio sintonizado na Rádio Universitária de Coimbra, conduzia até ao início da Estrada da Beira e, depois, de segunda a sexta, ida e volta entre Coimbra e Lousã, onde era o professor mais novo da escola.


Esse foi o ano em que o meu filho mais velho nasceu. Deixei uma aula a meio e não senti o caminho até à Maternidade Daniel de Matos. Assisti ao parto. Nasceu às nove da noite de um dia de fevereiro que só poderei esquecer quando tiver esquecido tudo o que existe.


Não é difícil comparar a passagem do tempo ao Mondego. Nas suas margens, o meu filho cresceu, longas tardes de domingos no parque infantil. Mas a memória não partilha dessa serenidade. A memória é muito mais desordenada do que o tempo, muito mais selvagem. Talvez por isso, as margens do Mondego também são a farra da Queima das Fitas, o silêncio absoluto do Choupal ou a inocência do Portugal dos Pequenitos, a caminho do Convento de Santa Clara.



Por falar no Convento de Santa Clara, quando me sentava lá em cima, com os pés pendurados sobre a paisagem, assistindo às gradações da luz na torre da universidade, não sabia que futuro me esperava em Coimbra.


Há um par de anos, ao chegar ao Café Santa Cruz para apresentar um dos meus livros, sabia bem de que, antes, não poderia sequer imaginar que algum dia teria livros escritos, menos ainda que iria falar sobre eles no sumptuoso Café Santa Cruz. Além disso, entre os rostos: o meu filho já adulto, antigos colegas da escola da Lousã, antigos vizinhos de Celas e amigos com quem pintava paredes da cidade contra isto e contra aquilo.


O meu passado em Coimbra ainda não acabou, está todo aqui. Além disso, existe também todo um futuro que me espera. Neste momento, não sei como será. Sei que vou ao seu encontro, essa certeza é tudo o que preciso.




Fotos de Peter Burian e Bernd Rostad



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