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  • José Luís Peixoto

BANGUECOQUE, TAILÂNDIA

Atualizado: 30 de out. de 2020


O que vejo e o que não vejo






Distingue-se o domingo. Lá em baixo, os táxis cor-de-rosa, verdes, todas as cores garridas, circulam num fluxo que, durante a semana, seria bastante mais lento e denso. Estou sentado diante da janela que cobre a parede exterior do meu quarto, o vigésimo quinto andar de um hotel na Avenida Silom, em Banguecoque. Há algum tempo que o sol começou a descer, vai agora tocar no topo dos edifícios mais altos. Este sol amarelece todo o céu.

Há ruídos que atravessam a distância e os vidros para chegarem aqui, assentam-me na pele. Não consigo identificar as suas origens exatas, são motores que se esforçam num instante, talvez tuk-tuks à procura de clientes, talvez autocarros de janelas abertas, cheios até a um domingo.

Na parte lateral de um prédio, há um ecrã enorme. Estico o indicador diante do rosto e, a partir daqui, conto o número de andares que ocupa em altura, seis. Às vezes, anuncia champô, bancos, bebidas energéticas, carros; outra vezes, não chego a entender o que anuncia. Mais perto, há alguns edifícios com a altura do andar em que estou, não muitos. À esquerda, está um hotel com piscina no topo, vejo-a de cima. A esta hora, ainda tem três pessoas a nadar. Apesar de se perceber uma clara trégua no fim de tarde, a temperatura lá fora continua quente, o ar continua pegajoso.

Há ruídos que atravessam a distância e os vidros para chegarem aqui, assentam-me na pele. Não consigo identificar as suas origens exatas…



Deste ponto, não se vê o rio Chao Phraya, mas sei que está por ali, a serpentear entre edifícios, superfície de muita vida. Sou capaz de imaginar os diferentes tipos de barcos que avançam nos seus caminhos, alguns leves e compridos, de motor nervoso, outros cheios de gente, transportes coletivos, outros a puxarem longas e lentas embarcações de carga, pequenas traineiras a puxarem enormes barcos carregados de areia ou de outros materiais de construção. Passam pelo Mercado das Flores numa margem, o cheiro a botões de jasmim em toda a parte, carrinhos de mão carregados de pétalas ao longo de corredores apertados; e passam por Kudishin na outra margem, o bairro onde vive a comunidade de origem portuguesa, casas com crucifixos sobre as portas, vielas onde se vendem bolos parecidos com queques.

Discretamente, o sol aproveitou para retirar-se. A claridade do céu é ainda suficiente para iluminar este momento. No entanto, a paisagem apresenta-se agora sob um tom azulado, mais grave. Os candeeiros da Avenida Silom estão já acesos, assim como muitas das luzes que irão adornar a cidade, atribuir-lhe a aura de serena festa que exibe em noites como a que está quase a chegar. Aqui, a partir deste vigésimo quinto andar, parece-me evidente que Banguecoque está a preparar-se para a luta que amanhã recomeça, segunda-feira esforçada, calor e superação. Mas esse tempo é como o rio Chao Phraya, não o vejo, apenas sei que existe. Agora, estou aqui, estou plenamente aqui, voo no meu olhar sobre Banguecoque. Eu próprio, neste instante, pertenço a esta cidade e, somado a milhões de parcelas, constituo-a. Agora, também eu sou Banguecoque.






Texto e fotos de José Luís Peixoto

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